quarta-feira, 7 de novembro de 2007

DOIS ANDARES

ANTES DE LER: um conto baseado numa música, que eu ainda não vou dizer qual é. Mas é que eu estou mandar ela pra um site, vamos ver o que rola. Esta é a primeira versão.


***

Jonas conta mais uma vez como o seu cachorro subiu na mesa de jantar quando todo mundo da familia estava comendo.

_...fez cocô em cima da mesa, desceu a mesa e foi brincar com um osso.

Alice ri da história. Mesmo que seja a terceira vez seguida que ele conta, a historia continua sendo engraçada. Jonas sente que ela não quer falar do que aconteceu.

Olha mais uma vez para o gesso que cobre a perna dela.

_ O veterinário disse que ele ta fazendo isso porque o Frank está velho e quer atenção. Acho que ele sabe que vai morrer logo. Frank… – Jonas diz.

A risada de Alice termina.

_ Isso foi engraçado – diz Alice.

_ Saber que vai morrer?

_ A outra parte. Do cocô!

_ Então me diz onde é que tá a parte engraçada da sua história? Como pular do segundo andar da escola é engraçado?

_ Não sei. Acho que se você estivesse lá ia achar graça. Eu só queria experimentar como seria pular do segundo andar. Na hora me pareceu uma coisa legal pra fazer.

Ela termina de responder e olha para a brancura do gesso, como se ele fosse sagrado.

Jonas sabe porque ela pulou.

Para que o ex-namorado dela a visse pulando da janela. E para que ele soubesse que ela odiou o fato dele ter mostrado umas fotos que ele tirou de Alice.

Ela vestia uma calcinha.

Vermelha.

_ Eu vi um cara fazer isso na internet e não me pareceu nada engraçado. Vaza muito sangue do corpo, sabia?

Alice começa a rabiscar alguma coisa no gesso que usa. É alguma coisa que tem a cor preta.

Os dois se conhecem desde quando tinham dez anos e eram vizinhos. Começaram a conversar porque sentiam que tinham algumas coisas em comum. Como o fato dos dois terem engolidos pilhas quando eram crianças, tinham gatos em casa e ambas as mães deles tinham traídos os pais e ido embora de casa.

_ O que você está desenhando ai?

_ Um pássaro.

_ Preto?

_ O pássaro é meu e eu faço do jeito que eu quiser. Na verdade é um corvo.

_ E você desce dos prédios do jeito que quiser também?

_ Foi só uma experiência, relaxa.

Jonas sabia que ela não ia se contentar com apenas dois andares. Seria mais num futuro próximo. Bem mais.

Mais exatamente onze andares.

Era essa a distância da janela do quarto de Alice até o chão.

_ Que eu saiba as pessoas experimentam mudar de emprego, pedir um sorvete diferente, usar uma calça dois números menores. Elas não experimentam pular dos prédios! – ele diz.

Para os dois, eles eram bons amigos. Quase que como irmãos. Mas depois de Jonas ter visto as fotos dela, ele começou a se sentir diferente em relação à Alice. Nunca tinha notado o quanto Alice era bonita.

_ Olha, eu agradeço a sua preocupação e tudo mais. Só que eu sou uma mulher! Já sangro uma vez por mês e já tenho cintura de mulher. Mas eu não preciso de uma mãe pra cuidar de mim. Já tive uma e ela não foi um bom exemplo de mãe.

Jonas olha para a janela do apartamento e vê boa parte da cidade. Pensa que a mãe dela esta em algum lugar dessa cidade. Imagina ela recebendo a noticia da morte da filha. Lembra que alguém disse que não há dor maior do que perder alguém que se ama muito. Pensa em quantas pessoas vivem lá e nenhuma delas foi tão amiga dele quanto Alice. Jonas fica triste com esse pensamento.

_ Ei, não quer desenhar nada no meu gesso?

Ele olha para o corvo no gesso.

_ Vou pintar um céu ai – ainda olhando para a cidade.

_Hum, que pena. Acho que perdi o lápis azul. Você pode fazer um céu vermelho, tudo bem pra você?

_ Não.

Jonas olha nos olhos de Alice.

_ Eu não estou bem.

E apenas com essas palavras, sem nem mesmo se despedir, Jonas pula pela janela.

Não tem um último pensamento.

* * *

2 comentários:

paula davies disse...

oi shinji!

nem sabia que vc tinha blog.. hj descobri o do vitor, o do fudge e o seu, fiquei super feliz...!

texto triste.. pq será q as coisas tristes parecem que são mais sensíveis né..

agente laranja disse...

Sim, eu faço um céu vermelho.