domingo, 16 de março de 2008

CRÍTICA DE FILME "EU SOU A LENDA "(2007)

Uma nova crítica cinematográfica foi publicada pela Revista Pupila.

Revista Pupila, Edição 3, Seção "Em Foco".
http://www.revistapupila.com/

Abaixo, a crítica na íntegra:

EU SOU A LENDA (2007)
Dirigido por Francis Lawrence.

Na primeira seqüência de “Eu Sou a Lenda” vemos as imagens de uma televisão. Uma cientista explica que com mudanças genéticas feitas no vírus do sarampo eles conseguiram erradicar o câncer em 100% de 1000 humanos testados. A entrevistadora pergunta se eles encontraram a cura do câncer. A cientista diz que sim.

Corta. Uma panorâmica sobre a cidade de Nova Iorque, três anos depois, mostra uma cidade inacreditavelmente desabitada e abandonada. No meio da vastidão da cidade, somos apresentados a um único humano, Robert Neville (Will Smith). Neville caça uma manada de cervos no meio da cidade.

Há uma certa precisão narrativa que tenta deixar de fora toda os excessos hollywoodianos, das cenas extremamente expositivas e cheias de diálogos. o filme acerta em certos detalhes e erra em outros, como vamos ver mais adiante. Todo o processo da "epidemia", período em que o vírus se radicalizou transformando os humanos em criaturas canibais da noite ocorre na elipse já citada acima. Uma elipse eficiente e que deixa espaço para a imaginação do espectador.

O filme prefere ficar com o protagonista na Ilha de Manhattam desabitada, Há apenas uma seqüência no filme anterior à devastação que é um flashback da noite do isolamento da Ilha de Manhattam que acarreta várias conseqüências para Robert Neville. O personagem é um cientista militar, pai de família, encarregado de procurar a cura para a epidemia. Ele carrega algum tipo de imunidade que impede sua contaminação e conseqüente transformação naquelas criaturas; faz experimentos no porão de uma casa, transformada em forte, injetando compostos isolados de seu sangue em cobaias - tanto em ratos, como espécimes das criaturas.

Um fato interessante em "Eu Sou A Lenda" é que as criaturas nunca são chamadas de vampiros. Até mesmo sua caracterização é diferente do que está estabelecido nos filmes de terror; as criaturas não possuem as icônicas presas, nem fica claro se elas se alimentam unicamente do sangue dos humanos ou se de sua carne também.

O clima apocalíptico do filme é representado com um realismo primoroso.

As cenas ambientadas nas externas de Nova York foram todas feitas em locações para um efeito maior de realismo, Chegou-se a discutir um polêmico custo de 5 milhões de dólares para a cena do bloqueio militar na Ponte do Brooklin.

Apesar de serem evitados os clichês, o filme ainda é um produto, passível de ser categorizado como um filme de ação. Se o filme arrisca nas cenas solitárias, quase sem nenhum diálogo, nas cenas de ação fica evidente o rótulo do filme. O diretor, oriundo do mundo dos videoclipes, não economiza nos efeitos pirotécnicos. Não se podia experar uma grande ousadia de Francis Lawrence, que dirigiu entre outros, videoclipes de Britney Spears (I´m A Slave 4 U), Aerosmith (I Don´t Wanna Miss A Thing), Avril Lavigne (Sk8r Boi) e Black Eyed Peas (Pump It). Seu primeiro filme "Constantine"(2005) é uma adaptação medrosa de uma história em quadrinhos chamada "Hellblazer". O filme era apenas um deleite visual que pecava na narrativa quadrada.

Vemos que as criaturas estilizadas vão contra a proposta realista do cenário, ao inserir elementos visivelmente digitais nesse mundo.

NO MAN IS A ISLAND

Apesar das cenas de ação grandiosas no terço final do filme, a narrativa se salva ao mostrar um protagonista solitário e acima de tudo frágil.

A solidão do personagem chega a dar inicio à loucura do personagem. Trata manequins como pessoas de verdade, conversa com eles e nomeando-os. Mostra também um grande apego ao cachorro. Numa das seqüências de caças aos cervos na cidade, um deles se adentra num edifício escuro. O cachorro continua a perseguição, mesmo com os protestos de Neville. O protagonista hesita em entrar e quando o faz, teme por sua própria vida. Quando encontra uma sala cheia das criaturas, quase abandona a busca, chegando a se despedir e pedir desculpas ao cachorro.

É assombrado pelas memórias do dia em que perdeu sua família, durante a evacuação e inicio da quarentena da Ilha de Manhattam, acontecimento que vemos fragmentado e sugerido em forma de pesadelos. Caças do exército destroem a Ponte do Brooklin, que liga a ilha ao continente.

A metáfora da ilha isolada cabe à figura do protagonista, tanto em seu isolamento físico como psicológico.

Há uma famosa passagem de um sermão de Jonh Donne, padre e poeta inglês do século XVII, que pode nos ajudar a explicar o personagem de Neville:

“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.

Neville se recusa a abandonar a ilha, pois acha que tem melhores chances de obter a cura no "Marco Zero", no início da contaminação. A chegada de novos sobreviventes à ilha não inspira a seguir viagem com eles - os outros sobreviventes, uma mulher e uma criança, acreditam que o vírus não sobrevive às temperaturas baixas; acreditam que há comunidades de humanos nas montanhas.

Neville sente cada perda de vida em seus experimentos, mesmo que se trate das criaturas. Há uma parede cheia de fotografias das criaturas perdidas em testes. "A morte de qualquer homem me diminui, pois dou parte da humanidade". Cada perda também representa mais um fracasso em sua busca solitária.

No clímax do filme, as criaturas invadem sua casa e o protagonista finalmente acredita que "cada homem é parte do continente", entregando a cura recém descoberta aos viajantes que seguem rumo às montanhas. Aceita que sua parte na cura terminou que a responsabilidade não pertencia apenas aos próprios ombros.

Guilherme Shinji

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