domingo, 2 de setembro de 2007

GUARDE O MELHOR PARA DEPOIS


Todo o cenário estava posto. A carta para a família, a banheira estava cheia de água quente, uma garrafa de whisky pra dar aquela calibrada e um pouco da coragem necessária. Ah, e o principal também, uma navalha que tinha pertencido a seu avô, utilizada principalmente para fazer a barba durante a uma guerra mundial.

Imaginou se o avô usou a navalha para matar algum soldado inimigo, fazendo um talho de orelha a orelha.

Meia garrafa de whisky depois, César, nu, mergulha dentro da banheira como se mergulhasse numa piscina. Ri e sem enrolação faz um corte profundo com a navalha em seu pulso esquerdo; um corte que começa perto da dobra do cotovelo e termina perto da mão.

O corte arde e com os olhos sedentos ele espera o sangue fluir em jorros para fora de seu corpo.

Mas é um rasgo seco, sem cor, sem vida.

César não entende. Enterra a navalha em seu outro pulso com mais força e profundidade, mas o resultado é o mesmo. Não há sangue saindo pelas feridas.

César fica sentado na banheira, horas depois da água já ter esfriado.

E num pulo, como se tivesse esquecido a panela no fogão, guarda a navalha no armário, enxuga-se, cobre seus cortes com uma gaze e guarda a carta para a sua família.

César tinha resolvido, nos próximos meses, arranjar um emprego, uma namorada com quem pudesse se casar, comprar uma televisão grande pra ter prestações a pagar durante meses, filhos para sustentar.

E então quando tivesse uma vida, aí sim, poderia dar um fim nela.

FIM

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